Precisamos tirar lições da pandemia

14/08/2020

Já se vão praticamente cinco meses dias do início da adoção do distanciamento social ampliado, necessário como medida sanitária por causa da pandemia da Covid-19.

Hoje certamente estamos mais acostumados às novas rotinas que se impuseram, por mais desafiadoras que fossem. O trabalho foi para casa, a escola foi para casa. O trabalho em parte já deixa a casa, a escola continua na casa para a maioria.

A pandemia forjou uma nova e súbita realidade e as escolas foram buscar soluções para garantir a continuidade do ano letivo, enquanto absolutamente essencial cuidar da saúde de todos, evitar o risco do contágio, salvar vidas.

O ensino remoto, que para alguns se revelou mais problema do que solução, chegou em um repente, da noite para o dia. Entretanto, não chegou para todos.

Com o ensino remoto – adotado na perspectiva de manter ao menos algumas escolas funcionando no Brasil e não só aqui – escancaramos ainda mais o fosso digital e, em decorrência,  ampliamos o fosso educacional entre os que estão em escolas públicas e aqueles que frequentam escolas particulares e que, de uma forma ou outra, se mostraram mais preparadas para realidade que se impôs, escolas que foram mais ágeis na busca de uma solução, ainda que com riscos de toda sorte.

A adoção do regime remoto trouxe a necessidade de os professores atuarem em um lugar que lhes era absolutamente estranho. Esse lugar é a sala de aula na internet. E a necessidade trouxe a ansiedade na medida em que foi se revelando o despreparo de uma expressiva maioria deles para lidar com as tecnologias digitais na mediação da aprendizagem. São muitos os relatos sobre essas dificuldades.

E vemos que a saída menos complicada foi levar para a internet a mesma aula expositiva. Assim, professores e estudantes se encontraram na internet, no horário regular da aula antes da suspensão das atividades presenciais na escola,  e fizeram o que basicamente faziam na sala de aula de tijolos: os professores falavam, ainda que amparados em alguma apresentação visual, e os alunos ouviam.

Uma pesquisa feita pelo site Nova Escola, realizada entre os dias 16 e 28 de maio, coletou respostas de 9.557 professores, dos quais 8.121 (85,7%) delas de professores da Educação Básica, buscou verificar a situação dos professores brasileiros durante a pandemia.

Os resultados indicam que um terço dos professores  classifica como razoável a experiência com o ensino remoto. Para 30% a experiência é ruim ou péssima, 27% consideram uma boa experiência.

A mesma pesquisa mostra que em relação ao período anterior à pandemia, apenas 8% afirmam que se sentem ótimos. Para 28% a saúde emocional como péssima ou ruim; pouco mais de 30% entendem como razoável  a situação.

Como problemas os professores apontam o estresse pela necessidade de aprender rápido para adequarem-se ao ensino remoto – destaco que mais da metade dos professores relataram não ter recebido formação para trabalhar de forma remota – o aumento no tempo requerido para o preparo das aulas e à dedicação aos seus alunos.

A esses fatores associam-se o natural temor de risco de contaminação, a  insegurança em relação ao futuro, falta de reconhecimento das famílias e gestores e a cruel sensação de que não estariam conseguindo dar conta de todas as demandas domésticas, familiares e profissionais.

Se as escolas da rede particular de ensino caminharam na perspectiva do ensino remoto, convencidas de que seus professores e estudantes dispõem de dispositivos de tecnologia digital e têm acesso à internet, escolas públicas se viram na contingência de encaminhar material impresso aos seus estudantes, reconhecendo as dificuldades de seus alunos terem acesso às tecnologias que permitissem o ensino remoto.

Ainda que o material impresso fosse o mais adequado para a realidade da maior parte dos estudantes de escolas públicas brasileiras, os professores ouvidos na entrevista apontaram na pesquisa que há pouco mencionei números que surpreendem: na rede privada, 32% das escolas não disponibilizaram material impresso, o que pode ser explicado pelo fato da opção pelas aulas remotas. Entretanto, segundo os professores, 68% das escolas públicas não o fizeram.

Em um movimento que merece nosso aplauso, na realidade de estudantes que não tinham como acompanhar aulas on-line, professores se mobilizaram para ir às casas levarem material para a aprendizagem.

A qualidade do ensino remoto emergencial vem sendo posta em dúvida; muitos estão convencidos de que haverá perda de aprendizagem. E o que falar de estudante da escola que está fechada, sem qualquer atividade de ensino e aprendizagem?

E onde o ensino remoto teria sido uma não-solução, como é o caso da educação infantil? Neste caso vemos um cenário de terra quase arrasada na rede particular de educação. Com os cancelamentos de matrículas escolas vão sendo fechadas; professores e outros trabalhadores da educação vão engrossando as estatísticas o desemprego no Brasil.

Discute-se sobremaneira como fazer a avaliação da aprendizagem, uma formalidade necessária na escola. Para alguns – e vemos isso em outros países – há uma defesa explícita de uma aprovação automática para todos. Outros recomendam que a avaliação ocorra tão logo as atividades presenciais sejam retomadas, até para que a escola tenha um quadro da realidade da aprendizagem.

Em resumo, a suspensão das atividades presenciais nas escolas trouxe uma situação inédita ao mesmo tempo em que escancarou problemas: o enorme fosso digital que nessa realidade amplia o fosso educacional, o despreparo dos professores para lidarem com as tecnologias digitais, suas dificuldades para a inovação pedagógica, resultado do que eu diria de uma formação insuficiente nas licenciaturas e de uma relativa carência de formação continuada.

Se adaptar a escola para a realidade que se impôs foi um enorme desafio, pois a escola definitivamente não estava preparada para o que chamarei de “modelo alternativo”, se delineia um novo desafio: a preparação para a retomada das aulas presenciais.

Se olhamos essa questão em um plano mais amplo, veremos diferentes realidades. Em alguns países, como é o caso da Alemanha, a opção foi pela volta inicial dos estudantes mais velhos, o que no nosso caso seriam os do Ensino Médio; na França a retomada se deu na educação infantil. Ainda na França escolas reabriram e logo depois foram novamente fechadas, já que se constataram casos de contágio do novo coronavírus. Pelo mundo escolas foram reabertas com um número bastante reduzido de alunos em sala de aula, de modo a assegurar entre os estudantes a distância tida como de segurança, da ordem de 1,5 a 2 metros.

E vejam uma constatação recente que preocupa: um estudo realizado na Universidade de Flórida, nos Estados Unidos, aponta que o SARS-Cov-2 talvez possa ser transmitido pelo ar. Os pesquisadores isolaram o vírus vivo de aerossóis (suspensão de partículas sólidas ou líquidas em um meio gasoso) coletados a uma distância de dois a quatro metros de pacientes hospitalizados com Covid-9.

Vejam, que se trata de uma distância maior do que a que em sendo recomendada pelas autoridades de saúde e que seria adotada nas escolas na retomada das atividades presenciais.

Como assegurar presenças e atender aos rígidos protocolos? Combinando presencial com um número reduzido de alunos com o remoto?

Aqui no Brasil já se vê uma pressão pela reabertura de escolas, na retomada das aulas presenciais.

Nesse que eu chamaria de movimento de pressão recentemente um sindicato de escolas particulares de um estado divulgou um vídeo que viralizou por negar a efetividade do isolamento social. No vídeo, a locutora em off dizia  “Estudos só confundiram. Trancar todos em casa não é ciência. Confinar é desconhecer, ignorar, subtrair vida, é fragilizar, é debilitar, mexer com o emocional”. O negacionismo da ciência por um sindicato de escolas, de educandários, não pode passar em branco.

Bom, claro que o vídeo foi retirado das mídias sociais, ao mesmo tempo em que o sindicato enviou à TV Globo uma nota na qual reiterava seu compromisso com a vida, com a educação e com a ciência, e a obediência às normas das autoridades sanitárias e seu calendário estabelecido.

No Brasil vamos nos deparando com intenções, decisões e ações diferentes nas múltiplas realidades, por diversas contingências no que diz respeito às estratégias para a retomada das atividades presenciais na escola.

Do Amazonas temos notícias de retomada das aulas presenciais na última segunda-feira, para cerca de 110 mil alunos do Ensino Médio e da EJA da rede pública estadual de Manaus, observados os protocolos sanitários necessários.  Para os  estudantes do Ensino Fundamental a volta às aulas se dará em 24 de agosto próximo.  Nas escolas públicas municipais de Manaus as atividades presenciais ainda não  foram retomadas. Nas escolas particulares a retomada do presencial já teria se dado há um mês.

Em Belo Horizonte, Conselho Municipal de Educação sugere unir programas curriculares dos anos de 2020 e de 2021, enquanto o prefeito Alexandre Kalil avisa que, sem vacina contra Covid-9, não haverá volta às aulas. Mas quando haverá vacina disponível e nas quantidades necessárias para uma vacinação em massa? Em 2021 possivelmente. Dá para ver que não acredito muito na história da SputiniK-5, a vacina russa. Como biólogo, me permito duvidar de uma solução cujos resultados nas mais diversas etapas do desenvolvimento não foram apresentadas ao mundo científico.

A solução para os múltiplos desafios exige novos pensares, novas posturas, novas políticas.

E me lembrando do livro “Reencantar a educação: Rumo à sociedade aprendente”, do Hugo Asmann, penso na escola que precisa ser ela mesma aprendente.

Pensar as lições que podemos tirar da pandemia é o para casa para os professores e gestores das escolas

A aula, antes e depois da COVID19

22/06/2020

Se uma imagem vale por mil palavras, duas imagens devem valer por duas mil palavras.

PROFESSOR_Presencial+Remoto

Reflexões na/da pandemia. Três pontos … de interrogação

18/06/2020

PONTO 1

Já se foram mais de três meses de distanciamento social ampliado, necessário como medida sanitária por causa da pandemia da Covid-19. Aos poucos, de maneira geral, fomos nos acostumando a novas rotinas. O trabalho foi para casa, a escola foi para casa. As pessoas deixaram as ruas.

Segundo dados da UNICEF, algo em torno de 90% dos estudantes do mundo estão em junho de 2020 sem frequentar a escola em virtude das medidas sanitárias. Aproximadamente 1 bilhão e 300 milhões de crianças e jovens ficaram em casa depois que o ano letivo foi subitamente interrompido em mais de 180 países.

Os governos centrais de 95 desses países adotaram a solução on-line (internet) para garantir a continuidade das atividades para quase 1 bilhão de estudantes.

Em 28 países, a opção foi por uma solução a distância com o uso do rádio e da televisão, atingindo algo próximo a 104 milhões de estudantes.

Os governos de 29 países optaram por combinar soluções de rádio e televisão, atendendo aproximadamente 122 milhões de estudantes.

A pandemia forjou uma nova e súbita realidade e as escolas foram buscar soluções para garantir a continuidade do ano letivo, enquanto é absolutamente essencial cuidar da saúde de todos, evitar o risco do contágio, salvar vidas.

O ensino remoto, que para alguns se revelou mais problema do que solução, chegou em um repente, da noite para o dia. Entretanto, não chegou para todos.

Segundo a UNICEF no Brasil são mais de 4,8 milhões de crianças e adolescentes sem internet em casa. Isso significa que aproximadamente 17% dos estudantes com idade entre 9 e 17 anos não têm as  ferramentas para acessar a escola que foi para a internet. Enfim, deixam de estudar.

Com o ensino remoto, na perspectiva de manter a escola funcionando no Brasil escancaramos ainda mais o fosso digital e, em decorrência,  ampliamos o fosso educacional entre os que estão em escolas públicas e aqueles que frequentam escolas particulares e que, de uma forma ou outra, se mostraram mais preparadas para realidade que se impôs, escolas que foram mais ágeis na busca de uma solução, ainda que com riscos de toda sorte.

Essa constatação me chamou a atenção para um dos nove elementos que Mike Ribble destaca como o cerne da cidadania digital: acesso Digital. Acesso digital no sentido de participação eletrônica plena na sociedade.

Se nos lembramos de que o acesso à internet é um direito humano, conforme proclamado pela ONU em 2011, devemos reconhecer o nosso fosso digital como consequência de ausência de políticas públicas.  Ou seja, o poder público nega a muitos um direito enquanto cidadão.

Como devemos ver essa questão? Que caminhos pensar, que formas de cobrar uma política que, se não eliminar o fosso digital, contribua para reduzi-lo de forma significativa?

PONTO 2

A adoção do regime remoto trouxe a necessidade de os professores atuarem em um lugar que lhes era absolutamente estranho, a sala de aula na internet. E a necessidade trouxe a ansiedade na medida em que foi se revelando o despreparo de uma expressiva maioria deles para lidar com as tecnologias digitais na mediação da aprendizagem. São muitos os relatos sobre essas dificuldades.

E vemos que a saída menos complicada foi levar para a internet a mesma aula expositiva. Assim, professores e estudantes se encontraram na internet, no horário regular da aula antes da suspensão das atividades presenciais na escola,  e fizeram o que basicamente faziam na sala de aula de tijolos: os professores falavam, ainda que amparados em alguma apresentação visual, e os alunos ouviam.

Entretanto, quando falamos em cidadania digital, temos que considerar um elemento importante, a literacia ou o letramento digital. Este é um dos 9 elementos elencados por Ribble.

A literacia ou o letramento digital diz respeito à capacidade de ensinar e aprender sobre a tecnologia e sobre o uso da tecnologia.

Entretanto, como a escola enfrentará o desafio da educação para a cidadania na cultura digital quando seus professores mesmos carecem de um letramento digital?

PONTO 3

Segundo uma matéria do Estadão em 13/6/2020, os golpes virtuais disparam durante isolamento social pela covid-19. No período entre 20 de março e 18 de maio, a busca de informações pessoais e bancárias de brasileiros na chamada dark web teria crescido 108%.

Pelo que se sabe, normalmente quem rouba os dados pessoais das pessoas não é quem aplica o golpe. Eles conseguem um banco de dados e vendem para criminosos na dark web. Assim são sempre dois personagens diferentes, ainda que ambos bandidos, o que dificulta a ação da polícia.

A FEBRABAN registrou um aumento de 70% no phishing, prática que usa e-mail ou SMS para roubar informações do usuário.

No phishing os criminosos enviam mensagens com informações que chamam a atenção do usuário, que clica em um link e, a partir daí, permite a captura de seus dados pessoais.

Durante o isolamento social, as mensagens dos criminosos para atrair a atenção quase sempre mencionavam as palavras covid (39%), auxílio (36%) e Caixa (33%).

Como os criminosos sabem que é difícil transpor os mecanismos de segurança de bancos, por exemplo, recorrem à engenharia social, ou seja, à habilidade de conseguir acesso a informações confidenciais através de habilidades de persuasão. Segundo a FEBRABAN em 70% das fraudes os criminosos conseguem com as próprias vítimas os dados que precisam. Com mais pessoas em casa e principalmente online, os criminosos criam mais páginas falsas e capturaram mais as informações. Ou seja, o distanciamento social de alguma forma favoreceu as condições para que os criminosos possam agir.

Essa realidade também chama a atenção para a questão da educação para a cidadania digital. Um dos elementos dela, segundo Ribble, é questão da segurança na rede.

Fica cada vez mais evidente a falta de educação para a cidadania digital. Entretanto a responsabilidade por resolver essa questão não pode ser atribuição apenas da escola, a família terá que dar sua contribuição. Mas como se os adultos mesmos não estão educados para a cidadania digital?

Pandemia, EaD e Ensino remoto: uma reflexão (Parte 2)

15/04/2020

Em seu site, Steve Wheeler, pesquisador visitante do Plymouth Institute of Education, na Inglaterra e autor do livro “Learning with ‘e’s: Educational Theory and Practice in the Digital Age”, chama a atenção para uma realidade que se impõe com a pandemia do novo coronavírus: “A atividade frenética das  instituições de educação que lutam de repente para adotar o aprendizado on-line seria cômica se não fosse contra um cenário tão sério e trágico. Durante anos, muitos acadêmicos e professores têm ignorado ou denunciado a tecnologia, alegando que é uma distração indesejada ou uma má adição ao ensino tradicional. Alguns até baniram a tecnologia de suas salas de aula porque era ‘muito perigosa’ ou minaram sua abordagem à pedagogia. Bem, agora suas salas de aula estão fechadas e seus alunos estão em casa. É difícil dizer quando escolas, faculdades e universidades reabrirão. O que os professores tecnofóbicos fazem agora para garantir que seus alunos continuem aprendendo? Eles são obrigados a se voltar para as mesmas tecnologias que haviam desprezado anteriormente.”

Para Goldie Blumenstyk, da revista The Chronicle of Higher Education, “é louco pensar que um novo vírus poderia ser mais um catalisador para a educação on-line e outras ferramentas de tecnologia da informação do que décadas de críticas”.

IMG_5942Há quem veja no Ensino Remoto Emergencial adotado na epidemia da COVID19 um “experimento” que fazemos na educação. Discordo, pois, diferentemente de um experimento, não há condições controladas, os alunos não podem ser entendidos como “espécimes” em um “laboratório”. O que temos é um enorme exercício de tentativa e erro, cujos resultados não podemos prever. O Ensino Remoto Emergencial é, onde exequível, a solução já que a alternativa que resta é suspender as atividades nas escolas por um prazo que, em sã consciência, ninguém pode prever.

Por causa da pandemia provocada pelo novo coronavírus, entendo que vivenciamos uma emergência na escola, não uma reforma educacional, ainda que a escola efetivamente demande reformas para finalmente se colocar no Século XXI. Quando as escolas reabrirem, provavelmente a velha aula estará de volta, ainda que professores tenham vivenciado possibilidades das tecnologias digitais na educação. Não consigo identificar uma revolução da educação na improvisação que fazem as escolas na emergência.

homeschoolingNão endosso a ideia de que, passada a emergência, a escola sairá transformada, que a EaD será o novo caminho, que as escolas abraçarão euforicamente as tecnologias digitais. Há quem advogue mesmo que a experiência na emergência apontará a educação domiciliar (homeschooling) como uma solução para os problemas da escola. Os que assim pensam parecem não perceber que o Ensino Remoto que agora se faz, bem ou mal, tem uma condução pedagógica a partir de especialistas, os professores. No Ensino Remoto quem ensina não são pai e mãe, continuam sendo os professores, com formação própria para isto, ainda que atuando na distância, ainda que no improviso, pela carência de formação para incorporar tecnologias digitais nas ações pedagógicas.

Entretanto, é possível esperar que essa nova vivência que agora improvisamos provoque mudanças na velha de sala, que as escolas se abram mais para as tecnologias digitais. Porém não entendo que se deva esperar que uma espantosa mudança educacional virá no período pós-pandêmico.

home-office-2-1Certamente  mudanças advirão da experiência que as diferentes sociedades vivem na atual emergência de saúde. Com o trabalho remoto dos pais, as aulas remotas para crianças e jovens, as sociedades em todo o mundo nunca se viram tão mediadas pelas tecnologias. Jamais dependemos tanto das tecnologias digitais e isso deverá provocar algumas mudanças, inclusive na escola, inclusive nos pensares.

O fato de que o ensino remoto, a resposta encontrada para assegurar o cumprimento do calendário escolar na emergência da epidemia, deixará muitos fora da “escola on-line”, pela impossibilidade de acesso às tecnologias,  exigirá novas políticas públicas quanto às tecnologias digitais na escola. O fosso digital que marca nossa sociedade exigirá atenção dos que fazem políticas públicas.

smartphone-clasroomA descoberta que muitos professores fazem agora de potenciais pedagógicos das tecnologias digitais poderá estimular alguma mudança na sala de aula; é possível que mais professores e gestores escolares passem a ver até mesmo os smartphones como aliados importantes.

Um estudo da União Europeia promovido através da Rede  Eurydice apontou que mais da metade do professorado reclama um aumento de formação em tecnologias digitais. A realidade no Brasil não deve ser muito diferente.

A formação inicial dos professores, nas licenciaturas, certamente será solicitada ainda mais a oferecer aos seus estudantes a capacidade de construir competências para lidar com as tecnologias digitais, inclusive na velha sala de aula de tijolos. Os poderes públicos precisarão assumir sua responsabilidade na formação continuada dos professores para que construam a competência digital  necessária para que promovam a inserção das tecnologias em sua prática pedagógica.

O papel das tecnologias digitais na educação não poderá ser entendido pelas escolas como valioso apenas na emergência. Portanto, ainda que não querendo ser um otimista (há quem diga que o otimista seria um pessimista se fosse bem informado), é possível esperar que algo de bom possa acontecer na escola depois que a tormenta da pandemia tiver passado.

O que registro aqui talvez fique no plano da especulação. Não faço previsão, não esboço qualquer exercício de futurologia. Afinal, como dizia Nielhs Bohr,  físico dinamarquês e vencedor do Nobel de Física em 1922, por suas contribuições sobre a estrutura dos átomos e da radiação por eles emitida, é difícil fazer previsões, especialmente sobre o futuro“.

Quaisquer que sejam as possibilidades à frente, no tempo da pós-pandemia,  o essencial é que no amanhã busquemos nesse passado de tormenta as bases para a reflexão que permitirá desenhar um futuro melhor para a educação.

niels-bohr

Pandemia, EaD e Ensino remoto: uma reflexão (Parte 1)

04/04/2020

SARS-CoV-2Como medida preventiva para reduzir a disseminação do SARS-CoV-2 que provoca a epidemia da COVID-19, países como o Brasil decidem por adotar o distanciamento social ampliado. É uma medida preventiva importante em um estado de calamidade pública de saúde, quando o essencial é poupar vidas, ainda que gere impactos nefastos nas economias

Ao ficarem em casa as pessoas não cuidam apenas da sua saúde, mas da saúde de todos, em um exercício de solidariedade mútua. A seriedade da pandemia da COVID-19 exige cuidados e responsabilidades, de todos para com todos.

No quadro de calamidade de saúde pública, escolas em todo mundo fecham as portas, não só Brasil.

Entretanto, não se pode esquecer, as escolas no Brasil têm diversas obrigações por força de lei, dentre elas um número mínimo de dias letivos e de carga horária efetiva. A Lei 9.394/1996, das Diretrizes e Bases da Educação, determina que “a carga horária mínima anual será de oitocentas horas para o ensino fundamental e para o ensino médio, distribuídas por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver.” No caso do ensino superior, a LDB também estabelece que o ano letivo regular tem, no mínimo, duzentos dias, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver.

No último dia 1º de abril, o Presidente da República assinou a Medida Provisória Nº 934, que “estabelece normas excepcionais sobre o ano letivo da educação básica e do ensino superior”, em decorrência do enfrentamento da emergência de saúde pública pela qual passa o país. Nos termos da MP, “o estabelecimento de ensino de educação básica fica dispensado, em caráter excepcional, da obrigatoriedade de observância ao mínimo de dias de efetivo trabalho escolar (…), desde que cumprida a carga horária mínima anual estabelecida nos referidos dispositivos.”

Para não comprometerem calendários escolares, na emergência de saúde pública decorrente do coronavírus, reconhecida na Lei 13.979/2020, escolas, da educação básica ao ensino superior, viram, nas tecnologias digitais, especialmente na internet, um caminho para assegurar a continuidade do ano escolar. Imediatamente várias pessoas começaram a afirmar que agora as escolas estão fazendo EaD. A afirmação sem dúvida é  estratégica no discurso dos que defendem uma ampliação absoluta da EaD no Brasil, inclusive com o mínimo de regulamentação.

De fato, a possibilidade de oferta da EaD nos diferentes níveis da educação está prevista na legislação brasileira. A EaD, na forma de educação on-line, vem, sendo regularmente praticada no ensino superior há algum tempo, inclusive oferecida em cursos presenciais em conformidade com diversas Portarias do MEC, a mais recente a de número 2.117/2019. Na reforma do Ensino Médio, a Lei 13.415/2017 abriu a possibilidade de adoção a EaD para efeito de cumprimento das exigências curriculares, ao permitir que os sistemas de ensino firmem  convênios com instituições de educação a distância com notório reconhecimento. No Ensino Fundamental a EaD só pode ser adotada em duas situações definidas que estão definidas no Parágrafo 4º do art. 32 da LDB, uma delas a emergência.

O que se viu, imediatamente, foi uma corrida para a adoção de aulas on-line síncronas (“lives”). Eu não reconheço tal prática como EaD, para mim essa alternativa adotada caracteriza-se como um Ensino Remoto Emergencial.

De forma diferente da EaD, especialmente da educação on-line, o Ensino Remoto Emergencial não vem organizado em atividades que foram planejadas desde o início e projetadas para serem on-line. O que vemos na situação atual do país são escolas e professores correndo, improvisando para assegurar a continuidade das atividades escolares, questão que no caso dos estabelecimentos da rede particular tem um significado especial pois seria a garantia de continuarem cobrando as mensalidades.

IMG_6026O Ensino Remoto Emergencial, como vejo, se caracteriza como uma mudança temporária de fazer ensino, no curso de uma emergência. Assim o que ele, digamos, entrega são orientações ou instruções e aulas (expositivas, ao vivo), exatamente como alternativa devido às circunstâncias impostas pela crise. Na emergência, sem tempo sequer para um preparo efetivo, os professores fazem, à distância, algo que no fundo é bastante similar ao que fariam nas aulas presenciais; eles não fazem algo que foi planejado para ser feito à distância.

ensino_remotoJPGO Ensino Remoto Emergencial compreende soluções de ensino totalmente remotas que, de outra forma, seriam ministradas presencialmente e que retornarão seu formato assim que a emergência tenha ao menos diminuído. Em outras palavras, o Ensino Remoto Emergencial não nasceu para ser EaD ou educação on-line; na emergência ele se “transmuta” em EaD.

Há de se reconhecer que o objetivo principal do Ensino Remoto Emergencial, dadas as circunstâncias, não é o de (re)criar um ecossistema educacional robusto, mas o de fornecer acesso temporário a instruções, orientações e informações (notadamente sobre os conteúdos escolares). O processo ocorre de forma rápida, não planejada, porque a exigência é de uma solução imediata de que seja configurada quase que de forma instantânea e que esteja disponível, de maneira confiável, durante a emergência. Esse conjunto de características que marca o Ensino Remoto Emergencial, mas não o desqualifica, tem uma sensível diferença com a EaD, especialmente a educação on-line.

E é interessante ver professores, que não tinham sequer uma formação para o uso pedagógico das tecnologias digitais de informação e comunicação, e muito menos para a docência professores on-line ou para fazer EaD, se esforçando para garantir a aula remota. A opção pela aula remota (“live”) é o que se esperaria pois, no incômodo de lidar com as tecnologias digitais, ao menos resta o conforto de fazer o que rotineiramente fazer, aulas expositivas.

Na emergência sanitária e educacional, professores têm que aprender a fazer o ensino remoto enquanto o fazem. Ouvem sugestões sobre recursos (diversas, ao mesmo tempo, o que não ajuda, ao contrário) e sequer podem testá-las, a ordem é atender imediatamente os alunos. Professores improvisam, cometem erros (perdoáveis, ainda que possam afetar de alguma forma a  aprendizagem), mas se mostram empenhados em entregar o que lhes é demandado.

IMG_5945Despreparados e desorientados, os professores se esquecem que seus alunos precisam aprender a aprender de forma remota, adotam em excesso as atividades síncronas (ao optarem por aulas expositivas a distância no mesmo dia da semana e horário, conforme exigem muitas escolas), anulando a flexibilização que é uma marca da EaD (o que reforça meu entendimento de que Ensino Remoto Emergencial não é EaD). Sem experiência em Ensino Remoto Emergencial impõem um número exagerado de tarefas em prazos bem curtos, o que desorienta alunos. Solicitam tarefas com um grau de complexidade que pode ser alto para alguns alunos. Esses equívocos decorrem do fato de que os professores, da Educação Básica ao ensino superior, em sua maioria não estão preparados para fazer o ensino remoto, para incorporar as TDIC em práticas pedagógicas. E não se deverá culpá-los por isso. Na emergência, todos se fazem heróis.

smartphoneIronicamente a escola que proibia o celular na sala de aula, ao não o reconhecer como um recurso para a aprendizagem, agora orienta alunos para assistirem em seus smartphones as aulas remotas.

Com certeza a emergência educacional, pela qual passam escolas, professores, estudantes e familiares, provoca mudanças. Serão definitivas ou bastante para o período do impedimento das atividades presenciais? Provocarão novas mudanças após a pandemia? Provocarão novas políticas públicas? São questões para as quais as respostas ainda surgirão.

Celular na escola não é caso de briga

15/11/2019

Em 12 de novembro último, a Folha de São Paulo publicou uma matéria sobre o podcast da série Folha na Sala que abordou a questão dos celulares na escola. O título da matéria era “Como professores podem brigar com celulares pela atenção de alunos”.

Should-Cellphones-Be-Allowed-in-the-ClassroomNo episódio a Folha na Sala discutiu uma questão que acaba sendo comum às escolas de todo mudo: como lidar com a situação do celular que chega às salas de aulas nas mãos dos alunos.  É um material presente na escola, ainda que não faça parte da lista que as escolas solicitam aos pais.

O podcast chama a atenção para o fato de que leis vão sendo criadas para proibir o uso dos celulares – o caso que mais tem chamado a atenção tem sido uma decisão do governo francês –  ao mesmo tempo que mostra que surgem legislações, como é o caso de Minas Gerais e São Paulo, que permitem o uso do celular em atividades pedagógicas.

O certo é que falta formação dos professores para aproveitar a tecnologia móvel em sala de aula. Segundo uma pesquisa realizada pelo Cetic (Comitê Gestor da Internet), só 30% dos professores tinham passado por algum programa de formação sobre o uso de tecnologia na aprendizagem e quase 90% deles afirmaram ter aprendido sozinhos, com tutoriais na internet.

Enquanto os professores não tiverem formação para incorporar as tecnologias digitais em suas práticas pedagógicas de nada adiantará lutar contra os dispositivos móveis, pois será guerra perdida. Como aconselha um antigo ditado “se você não pode vencê-lo, una-se a ele”.

Educação profissional técnica de nível médio, a distância

09/10/2019

Fonte da imagem: https://ahc.leeds.ac.uk/images/distance_learning_tile_1.jpg

A realidade dos números do nosso Ensino Médio são motivos para que toda a Nação se sinta envergonhada. Pena que essa dura realidade mão mobilize multidões, não leve jovens e adultos para as ruas, como ocorreu quando aumentos de passagens em ônibus urbanos foram a grande ameaça.

Dos nossos  jovens de 19 anos, quase 40% não concluíram o Ensino Médio. Desse grupo, em torno de 62% já estão fora da escola e 55% pararam de estudar ainda no Ensino Fundamental. Segundo o IBGE, quase um quarto dos jovens entre 15 e 19 não estuda, nem trabalha; constituem a geração nem-nem, que deve preocupar autoridades, especialmente as que atuam no campo da Educação.

Com pompa e circunstância, mas sem saber de onde virá o dinheiro e com uma dependência absoluta em relação aos Estados, o MEC lançou ontem o Programa Novos Caminhos, que prevê, até 2023, a abertura de um milhão e meio de vagas na educação profissional e tecnológica. As vagas serão oferecidas no Ensino Médio e para jovens e adultos que estão fora da escola.

O programa Novos Caminhos, que pretende fortalecer cursos de educação profissional técnica de nível médio, traz algumas semelhanças com o PRONATEC, criado pela Lei 12.513/2011, como é o caso de parcerias com o sistema S, que anda ameaçado de levar uma facada do Ministro Paulo Guedes, com a rede federal e até mesmo com instituições de ensino superior particulares.

Em sintonia com o disposto na Lei 13.415/2017, que reformou o Ensino Médio, o Programa Novos Caminhos prevê o que o ministro da Educação chamou de “ensino parcial”, mesclando aulas presenciais com ensino a distância. O argumento que sustenta a combinação é financeiro. Segundo alardeou o ministro será possível uma redução dramática do custo aluno/ano.

Esta argumentação, com base na pecúnia, me incomoda. Não vemos, para as mais diferentes propostas de EaD hoje no Brasil argumentação de natureza pedagógica. A questão é economizar dinheiro. Resta saber a qual custo. Afinal que custos serão reduzidos a não ser o de professores?

Quando a escola, com antecipa o ministro, mescla ensino presencial com EaD por certo não reduz seus custos de infraestrutura. Afinal, a escola de tijolos continuará lá, exigindo limpeza e manutenção, pagando IPTU, conta de energia elétrica, exigindo a presença do trabalhador que toma conta nos horários nos quais está fechada.

A economia que a EaD permite está na rubrica que, na verdade, é a que naturalmente representa o custo mais alto em qualquer escola: recursos humanos, especialmente os professores.

Como as salas de bits, diferentemente da de tijolos, não têm paredes que as limitam, ali poderão ser “acomodados” duzentos, trezentos ou mais alunos, entregues a um único professor. Economia, na certa.
Como não se remunera o professor pela imensa quantidade de horas que ele trabalha (a referência ainda é a hora-aula, como se o professor estivesse na sala de tijolos frente a uma turma), recursos financeiros são poupados.

A videoaula é uma estratégia fantástica. Paga-se a um professor pela gravação da aula e depois ela é repetia à exaustão. Se não se paga pela reexibição da aula, mais economia.

Mas o que mais me intriga especialmente na questão da EaD no Ensino Médio é que as decisões que vão sendo tomadas nos gabinetes, com um objetivo perceptível de favorecer grandes grupos educacionais, desconsideram a realidade do estudante que deverá ser envolvido. E a minha  preocupação aumenta quando se trata do estudante adolescente.

Uma rápida leitura de uma obra de Rena Palloff e Keith Pratt, “O aluno virtual: Um Guia para Trabalhar com Estudantes On-line”, permite conhecer quais são as principais características daquele que pode alcançar sucesso na EaD. Cito apenas algumas delas (páginas 26 e 27 do livro): o aluno virtual tem automotivação e autodisciplina, dedica aos estudos uma quantidade significativa do seu tempo semanal, não vê o curso como uma forma “mais leve e fácil” de obter um diploma, está comprometido consigo mesmo e com o grupo do qual faz parte, sabe como trabalhar em conjunto com os  colegas para que possam atingir seus objetivos de aprendizagem e de fato assim o faz.

Você acredita que os nossos adolescentes trazem as características de um aluno virtual? Estão eles de fato preparados para aprenderem na sala de bits, ainda que muitos não queiram estar sequer na sala de tijolos?

Estará o MEC oferecendo uma solução fácil para um problema de enorme complexidade? Será que oferecendo educação a distância para quem tem estado distante da escola daremos conta de uma situação que é grave?

Ou, quem sabe, estaremos na verdade oferecendo mercado para os gigantes do setor educacional, que se afirmam “indústria da educação”,  ávidos por vender conteúdos?

Tecnologias digitais e formação inicial do professor. Reflexão 1

06/10/2019

Um estudante de licenciatura, ao cumprir uma atividade na minha disciplina, ofereceu-me a seguinte reflexão: “não é difícil defender o aproveitamento dos recursos ofertados gratuitamente pela Web 2.0, no direcionamento de aprender novas tecnologias para os alunos poderem buscar por si mesmas e aprender a aprender; fazer escolhas e seleções certas de conteúdos, saber discriminar no que é confiável e o que não é“.

Faço coro com o estudante. Mas é preciso convir que a dificuldade de ver isto como prática na/da escola – inclusive nas licenciaturas – decorre do despreparo dos professores para inserir as tecnologias digitais de informação e comunicação em suas práticas pedagógicas. Associe-se a isto a acomodação a um modelo tradicional de escola, assentado em aulas expositivas que, na medida em que se repetem, mantêm os professores em uma zona de conforto. Afinal, para repetir a velha aula basta apenas não esquecer o que dizer.

O desafio para a incorporação pedagógica das tecnologias digitais persiste. As novas diretrizes nacionais para formação de professores que estão sendo elaboradas no Conselho Nacional de Educação (CNE), adequando-se a formação à BNCC, em observância ao disposto na Resolução CNE 2/2017, reforçam a necessidade de formação dos professores para o uso das tecnologias digitais, como já estava posto na Resolução 02/2015 do mesmo Conselho.

No atual documento do CNE, que está em consulta pública durante este mês de outubro, ao estabelecerem-se competências específicas da prática profissional, prevê-se que o (futuro) professor seja capaz de planejar ações de ensino que possa resultar em efetivas aprendizagens. E para ficarmos em apenas um exemplo das capacidades a serem desenvolvidas, está a de “fazer curadoria, utilizar e criar tecnologias digitais, conteúdos virtuais e outros recursos tecnológicos e incorporá-los à sua prática pedagógica para que possam potencializar e transformar as experiências de aprendizagem dos estudantes e que estimule uma atitude investigativa”. Curadoria inclusive com recursos das tecnologias digitais, é claro.

Bem, o CNE está apontando o que as licenciaturas devem fazer. Resta saber o que de fato elas farão.
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Fonte da imagem: https://www.eschoolnews.com/files/2017/10/SAM-600×400.jpg.

Prioridades?

16/03/2019

O Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado pela Lei 13.005, chega à metade de sua validade em junho próximo. De acordo com o relatório do 2o Ciclo de Monitoramento das Metas do PNE, elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e publicado em 2018, provavelmente o país não conseguirá cumprir, até junho de 2024, as vinte metas propostas.

Do tempo que resta para a completa e efetiva implantação das Metas do PNE, a maior parte correrá no governo Bolsonaro (2019-2022).

Em 26 de fevereiro último, o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, apresentou, em audiência no Senado Federal, uma lista de sete pontos que seriam (serão?) prioritários em sua gestão.

  1. Política nacional de alfabetização
  2. Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
  3. Educação básica, com foco da renovação do Fundeb
  4. Novo ensino médio, com foco no ensino profissionalizante
  5. Escola cívico-militar
  6. Educação especial, com foco na formação de intérpretes de Libras
  7. Formação de professores

Fica estranho compreender alguns itens desta lista à luz das notícias sobre o MEC que recebemos, notadamente através da grande mídia (confesso que dou pouca atenção à quase totalidade das mídias sociais digitais em assuntos como estes).

Da BNCC do Ensino Médio, homologada pelo Ministro de Educação em 14 de dezembro de 2018, no apagar das luzes do Governo Temer, nenhuma notícia mais. Mas seria oportuno lembrar que nos termos do Art. 12 da Lei 13.415, da Reforma do Ensino Médio, os sistemas de ensino deverão, no primeiro ano letivo subsequente à data de publicação da BNCC, elaborar um cronograma de implementação das alterações na Lei nº 9.394/96, conforme estabelecidas na Lei da Reforma do Ensino Médio. O início do processo de implementação do cronograma se dará a partir do segundo ano letivo subsequente à data de homologação da BNCC. Ou seja, está se falando de coisas que devem acontecer em 2019 e 2020.

bncc-MEC-logoOuvimos vozes proclamando que o MEC pretender rever a BNCC. Devemos entender que seria inclusive a da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, cuja aplicação em Estados e Municípios deveria acontecer agora em 2019? Ou seria apenas a do Ensino Médio, que deve estar implementada em 2020?

O MEC teria recolhido do CNE a proposta de uma Base Nacional Comum para a formação de professores que fora encaminha pelo último Ministro da Educação do governo anterior. O que pensa o novo MEC sobre a formação de professores, especialmente na realidade de implantação da BNCC?

Para cuidar da questão da alfabetização, foi criada no MEC uma Secretaria de Alfabetização, que cuidará da alfabetização não apenas em português e matemática, mas ainda em novas tecnologias. Confesso que não entendo dissociar a alfabetização para as tecnologias digitais das demais.

A Secretaria de Alfabetização foi entregue a Carlos Nadalim, um dos coordenadores da escola de educação infantil “Mundo do Balão Mágico”, empresa familiar localizada em Londrina (a fundadora da escola é a mãe do agora Secretário). Carlos Nadalin, bacharel em Direito (não, não é pedagogo!) é um “youtuber”, que não aceita comentários nos vídeos, reconhecido pela defesa que faz da educação domiciliar (homeschooling). Algumas de suas ideias estão no blog “Como Educar Seus Filhos”.   

Temos agora na estrutura do MEC uma Secretaria de Modalidades Especializadas de Educação, com uma Diretoria de Políticas de Educação Bilíngue de Surdos, além de uma estrutura voltada para apoio a pessoas com deficiência. Certamente essa ação pode traduzir uma vontade política da Primeira Dama do País que devemos reconhecer como uma necessidade, sem dúvida.

Na nova estrutura do MEC, foi criada uma Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares, que está encarregada de modelar uma gestão escolar que envolva  militares e civis e garanta a aplicação desse modelo nos estados e municípios que a ele aderirem voluntariamente.

Depois das notícias de criação das novas Secretarias e Diretorias, na reorganização do organograma do MEC, que notícias tivemos de ações concretas? Nada, essencialmente.

Do MEC a grande mídia só mostra uma guerra por cargos, mal gerida pelo Ministro da Educação, que se vê no meio do fogo cruzado entre militares, que ocupam cargo no MEC, e olavistas. Nesta última semana em três dias o MEC teve dois diferentes Secretários Executivos. E a notícia mais recente é que a última pessoa indicada, presumivelmente na cota (?) da Primeira Dama, não teve sua nomeação chancelada pela Casa Civil da Presidência da República.

velezrodriguezEm dois meses e meio à frente do MEC, o que de concreto nos ofereceu Vélez Rodríguez?  Uma proposta de propaganda de governo nas escolas, na verdade com o slogan de campanha do presidente eleito, travestida de ato cívico. Enfim, nada para um país que tem urgência em resolver suas questões educacionais.

A situação de agrura que vejo no MEC, me faz lembrar dois brasileiros famosos. Tom Jobim dizia que “o Brasil não é para principiantes”. Darcy Ribeiro proclamava que a crise da educação brasileira não é crise, é projeto.

A história mal contada do Hino

28/02/2019

Em fevereiro, o Ministro da Educação enviou, por e-mail, às escolas públicas e provadas do país uma carta na qual solicitou que estudantes, professores e funcionários fossem perfilados para cantar o hino nacional em frente à bandeira do Brasil. Ainda pediu que o hino-escola_1momento cívico fosse filmado e o vídeo enviado aos setores de comunicação do MEC e da Presidência, acompanhado do nome da escola, número de alunos, professores e funcionários, no que seria uma prova material do cumprimento da solicitação. Segundo o ministro, a medida visaria saudar o Brasil dos novos tempos, querendo estimular o civismo nas novas gerações.

O pedido vinha acompanhado de uma mensagem que, então se sugeria, seria lida no início do momento cívico: “Brasileiros! Vamos saudar o Brasil dos novos tempos e celebrar a educação responsável e de qualidade a ser desenvolvida na nossa escola pelos professores, em benefício de vocês, alunos, que constituem a nova geração. Brasil acima de tudo. Deus acima de todos!”.

O ministro da Educação, ainda que brasileiro naturalizado, deveria saber que desde 1971 existe uma lei, a de número 5.700/71, que, pelo seu Art. 39, obriga – ainda que sem sanções pelo descumprimento – as escolas do Primeiro e Segundo Graus, hoje correspondentes ao segmento da Educação Básica, a ensinar o canto e a interpretação da letra do Hino Nacional. Pensando bem, aquela linguagem rebuscada da letra do nosso hino exige mesmo uma interpretação.

A Lei 12.031/2009, incluiu no Art. 39 da Lei 5.700/71 um parágrafo único, com o qual estabeleceu como obrigatória a execução do Hino Nacional uma vez por semana nos estabelecimentos públicos e privados de Ensino Fundamental. Todos teriam que cantar ou bastaria um reprodução do hino por um sistema de som como se faz, por exemplo, em campos de futebol ?

A frequência semanal obrigatória não está posta para as escolas que oferecem Ensino Médio. Então como ficaria a execução do hino em escolas que oferecem toda a Educação Básica? Podemos entender que os estudantes do Ensino Médio estarão desobrigados de acompanhar a execução porque já cultivaram o civismo ou porque desistiram dele?

Em meus tempos de escola, décadas atrás, eu cantava o Hino Nacional Brasileiro na escola. Fico a pensar se aquela prática fez de mim o patriota que sou, como sempre denuncia a minha mulher, ou se cantei e canto o hino por ser uma patriota por natureza. Se o colombiano achou que os brasileiros se tornarão (mais) patriotas ao cantarem nosso hino, falta ir aos campos de futebol para tirar uma conclusão.

Pressionado, o ministro recuou, alegando ter percebido o erro.

Pedir às escolas que executem o hino não era o problema, até porque questão definida em lei. Porém, se estivesse bem assessorado, o ministro não teria feito a bobagem de pedir a gravação dos vídeos. Uma assessoria competente mostraria ao ministro que, pela legislação vigente (Lei 8.069/1990), não se pode filmar crianças e adolescentes sem a expressa concordância dos pais ou responsáveis. Em síntese, o ministro pedia às escolas que cometessem uma ilegalidade. Pode isto, Arnaldo?

Mas a bobagem não era apenas esta. O ministro ainda pedia (recomendava) que as escolas lessem uma mensagem que não passa de uma desavergonhada propaganda de governo, já que ali constava o slogan de campanha do hoje presidente Jair Bolsonaro, “Brasil acima de tudo” e “Deus acima de todos”.

Dizem que o ministro é adepto do Projeto Escola sem Partido. Logo após indicado para o cargo, ele afirmou que a sociedade brasileira não quer ideologização de política para as crianças. Ao sugerir às escolas a leitura de uma carta que não passa de propaganda de governo, Vélez Rodríguez me deixa convencido de que na verdade não se trata de retirar a ideologia da escola, mas trocar uma que, segundo a direita, estaria implantada e da qual discordam, por uma nova, da qual são adeptos.

bandeiradobrasil_1Se houve “ilegalidade e imoralidade” do ato do ministro, que teria ferido princípios da moralidade na Administração Pública que estão previstos na Constituição Cidadã, ainda que alegando querer promover o civismo, não posso afirmar. Mas não seria o caso de o Ministério Público Federal fazer uma análise da situação e, se considerada procedente, fazer uma representação?

Como o ministro recuou das duas principais bobagens, a chance maior que vejo é de o assunto morrer. Em país cuja marca é a impunidade dos ricos e poderosos, nada a estranhar.

Enquanto isto, quando perguntarem como vai a qualidade da educação brasileira, diga “vai hino, vai hino”. Até porque não será por cantarem o hino, de cor e salteado, que nossas crianças sairão melhor preparadas da escola. E é com a qualidade da educação nacional que o MEC tem que (pre)ocupar.