Já se vão praticamente cinco meses dias do início da adoção do distanciamento social ampliado, necessário como medida sanitária por causa da pandemia da Covid-19.
Hoje certamente estamos mais acostumados às novas rotinas que se impuseram, por mais desafiadoras que fossem. O trabalho foi para casa, a escola foi para casa. O trabalho em parte já deixa a casa, a escola continua na casa para a maioria.
A pandemia forjou uma nova e súbita realidade e as escolas foram buscar soluções para garantir a continuidade do ano letivo, enquanto absolutamente essencial cuidar da saúde de todos, evitar o risco do contágio, salvar vidas.
O ensino remoto, que para alguns se revelou mais problema do que solução, chegou em um repente, da noite para o dia. Entretanto, não chegou para todos.
Com o ensino remoto – adotado na perspectiva de manter ao menos algumas escolas funcionando no Brasil e não só aqui – escancaramos ainda mais o fosso digital e, em decorrência, ampliamos o fosso educacional entre os que estão em escolas públicas e aqueles que frequentam escolas particulares e que, de uma forma ou outra, se mostraram mais preparadas para realidade que se impôs, escolas que foram mais ágeis na busca de uma solução, ainda que com riscos de toda sorte.
A adoção do regime remoto trouxe a necessidade de os professores atuarem em um lugar que lhes era absolutamente estranho. Esse lugar é a sala de aula na internet. E a necessidade trouxe a ansiedade na medida em que foi se revelando o despreparo de uma expressiva maioria deles para lidar com as tecnologias digitais na mediação da aprendizagem. São muitos os relatos sobre essas dificuldades.
E vemos que a saída menos complicada foi levar para a internet a mesma aula expositiva. Assim, professores e estudantes se encontraram na internet, no horário regular da aula antes da suspensão das atividades presenciais na escola, e fizeram o que basicamente faziam na sala de aula de tijolos: os professores falavam, ainda que amparados em alguma apresentação visual, e os alunos ouviam.
Uma pesquisa feita pelo site Nova Escola, realizada entre os dias 16 e 28 de maio, coletou respostas de 9.557 professores, dos quais 8.121 (85,7%) delas de professores da Educação Básica, buscou verificar a situação dos professores brasileiros durante a pandemia.
Os resultados indicam que um terço dos professores classifica como razoável a experiência com o ensino remoto. Para 30% a experiência é ruim ou péssima, 27% consideram uma boa experiência.
A mesma pesquisa mostra que em relação ao período anterior à pandemia, apenas 8% afirmam que se sentem ótimos. Para 28% a saúde emocional como péssima ou ruim; pouco mais de 30% entendem como razoável a situação.
Como problemas os professores apontam o estresse pela necessidade de aprender rápido para adequarem-se ao ensino remoto – destaco que mais da metade dos professores relataram não ter recebido formação para trabalhar de forma remota – o aumento no tempo requerido para o preparo das aulas e à dedicação aos seus alunos.
A esses fatores associam-se o natural temor de risco de contaminação, a insegurança em relação ao futuro, falta de reconhecimento das famílias e gestores e a cruel sensação de que não estariam conseguindo dar conta de todas as demandas domésticas, familiares e profissionais.
Se as escolas da rede particular de ensino caminharam na perspectiva do ensino remoto, convencidas de que seus professores e estudantes dispõem de dispositivos de tecnologia digital e têm acesso à internet, escolas públicas se viram na contingência de encaminhar material impresso aos seus estudantes, reconhecendo as dificuldades de seus alunos terem acesso às tecnologias que permitissem o ensino remoto.
Ainda que o material impresso fosse o mais adequado para a realidade da maior parte dos estudantes de escolas públicas brasileiras, os professores ouvidos na entrevista apontaram na pesquisa que há pouco mencionei números que surpreendem: na rede privada, 32% das escolas não disponibilizaram material impresso, o que pode ser explicado pelo fato da opção pelas aulas remotas. Entretanto, segundo os professores, 68% das escolas públicas não o fizeram.
Em um movimento que merece nosso aplauso, na realidade de estudantes que não tinham como acompanhar aulas on-line, professores se mobilizaram para ir às casas levarem material para a aprendizagem.
A qualidade do ensino remoto emergencial vem sendo posta em dúvida; muitos estão convencidos de que haverá perda de aprendizagem. E o que falar de estudante da escola que está fechada, sem qualquer atividade de ensino e aprendizagem?
E onde o ensino remoto teria sido uma não-solução, como é o caso da educação infantil? Neste caso vemos um cenário de terra quase arrasada na rede particular de educação. Com os cancelamentos de matrículas escolas vão sendo fechadas; professores e outros trabalhadores da educação vão engrossando as estatísticas o desemprego no Brasil.
Discute-se sobremaneira como fazer a avaliação da aprendizagem, uma formalidade necessária na escola. Para alguns – e vemos isso em outros países – há uma defesa explícita de uma aprovação automática para todos. Outros recomendam que a avaliação ocorra tão logo as atividades presenciais sejam retomadas, até para que a escola tenha um quadro da realidade da aprendizagem.
Em resumo, a suspensão das atividades presenciais nas escolas trouxe uma situação inédita ao mesmo tempo em que escancarou problemas: o enorme fosso digital que nessa realidade amplia o fosso educacional, o despreparo dos professores para lidarem com as tecnologias digitais, suas dificuldades para a inovação pedagógica, resultado do que eu diria de uma formação insuficiente nas licenciaturas e de uma relativa carência de formação continuada.
Se adaptar a escola para a realidade que se impôs foi um enorme desafio, pois a escola definitivamente não estava preparada para o que chamarei de “modelo alternativo”, se delineia um novo desafio: a preparação para a retomada das aulas presenciais.
Se olhamos essa questão em um plano mais amplo, veremos diferentes realidades. Em alguns países, como é o caso da Alemanha, a opção foi pela volta inicial dos estudantes mais velhos, o que no nosso caso seriam os do Ensino Médio; na França a retomada se deu na educação infantil. Ainda na França escolas reabriram e logo depois foram novamente fechadas, já que se constataram casos de contágio do novo coronavírus. Pelo mundo escolas foram reabertas com um número bastante reduzido de alunos em sala de aula, de modo a assegurar entre os estudantes a distância tida como de segurança, da ordem de 1,5 a 2 metros.
E vejam uma constatação recente que preocupa: um estudo realizado na Universidade de Flórida, nos Estados Unidos, aponta que o SARS-Cov-2 talvez possa ser transmitido pelo ar. Os pesquisadores isolaram o vírus vivo de aerossóis (suspensão de partículas sólidas ou líquidas em um meio gasoso) coletados a uma distância de dois a quatro metros de pacientes hospitalizados com Covid-9.
Vejam, que se trata de uma distância maior do que a que em sendo recomendada pelas autoridades de saúde e que seria adotada nas escolas na retomada das atividades presenciais.
Como assegurar presenças e atender aos rígidos protocolos? Combinando presencial com um número reduzido de alunos com o remoto?
Aqui no Brasil já se vê uma pressão pela reabertura de escolas, na retomada das aulas presenciais.
Nesse que eu chamaria de movimento de pressão recentemente um sindicato de escolas particulares de um estado divulgou um vídeo que viralizou por negar a efetividade do isolamento social. No vídeo, a locutora em off dizia “Estudos só confundiram. Trancar todos em casa não é ciência. Confinar é desconhecer, ignorar, subtrair vida, é fragilizar, é debilitar, mexer com o emocional”. O negacionismo da ciência por um sindicato de escolas, de educandários, não pode passar em branco.
Bom, claro que o vídeo foi retirado das mídias sociais, ao mesmo tempo em que o sindicato enviou à TV Globo uma nota na qual reiterava seu compromisso com a vida, com a educação e com a ciência, e a obediência às normas das autoridades sanitárias e seu calendário estabelecido.
No Brasil vamos nos deparando com intenções, decisões e ações diferentes nas múltiplas realidades, por diversas contingências no que diz respeito às estratégias para a retomada das atividades presenciais na escola.
Do Amazonas temos notícias de retomada das aulas presenciais na última segunda-feira, para cerca de 110 mil alunos do Ensino Médio e da EJA da rede pública estadual de Manaus, observados os protocolos sanitários necessários. Para os estudantes do Ensino Fundamental a volta às aulas se dará em 24 de agosto próximo. Nas escolas públicas municipais de Manaus as atividades presenciais ainda não foram retomadas. Nas escolas particulares a retomada do presencial já teria se dado há um mês.
Em Belo Horizonte, Conselho Municipal de Educação sugere unir programas curriculares dos anos de 2020 e de 2021, enquanto o prefeito Alexandre Kalil avisa que, sem vacina contra Covid-9, não haverá volta às aulas. Mas quando haverá vacina disponível e nas quantidades necessárias para uma vacinação em massa? Em 2021 possivelmente. Dá para ver que não acredito muito na história da SputiniK-5, a vacina russa. Como biólogo, me permito duvidar de uma solução cujos resultados nas mais diversas etapas do desenvolvimento não foram apresentadas ao mundo científico.
A solução para os múltiplos desafios exige novos pensares, novas posturas, novas políticas.
E me lembrando do livro “Reencantar a educação: Rumo à sociedade aprendente”, do Hugo Asmann, penso na escola que precisa ser ela mesma aprendente.
Pensar as lições que podemos tirar da pandemia é o para casa para os professores e gestores das escolas